Negociando no Grand Bazaar

por Onevair Ferrari em 31.08.2018

O Grand Bazaar, em Istambul, é o mercado coberto mais antigo do mundo, com mais de 4.000 lojas que vendem uma infinidade de produtos, de jóias a tapeçaria, passando por cerâmicas e roupas, para um público que atinge 400.000 pessoas diariamente, a maioria turista.

Este grande complexo de construções otomanas iniciadas no século XV, que sobreviveu a incêndios, terremotos e pilhagens de várias matizes, pode ser considerado o primeiro shopping center do mundo, com oficinas, lojas e distribuidores de mercadorias que originalmente chegavam com os navios que atracavam no Golden Horn, no mar de Marmara.

Tive oportunidade de ir duas vezes ao Grand Bazaar, em épocas diferentes. Na primeira, eu morava na Alemanha e fazia uma viagem de férias pela Grécia e Turquia. Comprei alguns itens lá e me chamou a atenção a forma como os negócios eram realizados, de maneira interativa e envolvente, negociando o preço, muito diferente do comércio frio e objetivo na Alemanha.

Na segunda vez, anos depois da primeira, estava na Turquia para apresentar um trabalho no congresso mundial do IPMA, que naquele ano acontecia em Istambul. A família me encomendou um tapete e resolvi comprá-lo no Grand Bazaar. Lembrando da primeira experiência de compra, desta vez eu me preparei para identificar cada passo das interações e desfrutar ao máximo a aula de negociação dos mercadores turcos.

A seguir descrevo os principais pontos da negociação, com ações do comprador (C) que era eu e do vendedor (V), que era o próprio comerciante dono da loja, como acontece muito por lá:

(C) Referências. Antes de ir às compras, me informei sobre os tipos de tapete, as procedências, os materiais, as formas de tecer, as características de cada variedade e os preços. Com poucos clics na internet e algumas perguntas no hotel, concluí que os melhores tapetes com o padrão desejado eram feitos numa determinada região da Turquia, por terem detalhes mais nítidos, cores mais vivas, maior durabilidade, mas que custavam o dobro dos demais tapetes.

(V) Vitrine Sem Preço. As vitrines e áreas de apresentação dos produtos são pequenas, já que a grande maioria das lojas têm dimensões reduzidas. Mas é curioso notar que os produtos quase nunca têm os preços informados. Isto é claramente parte da estratégia de fazer o cliente perguntar, induzindo à abordagem e facilitando a aproximação do vendedor.

(V) Envolvimento. Geralmente o comerciante fica atento a qualquer interesse de clientes na vitrine e já toma a iniciativa de abordagem, sempre com uma frase cativante. O objetivo deste ritual de captura é colocar o cliente dentro da loja, oferecer chá ou água fresca, mostrar os produtos e efetivar a venda.

(V) Explorar a Cultura. Fazer o cliente sentar-se confortavelmente, oferecer chá, desenrolar vários tapetes, explicar sobre os produtos, mostrar como vai embalar o tapete para facilitar transporte são elementos de pressão utilizados pelo vendedor, evidenciando o seu trabalho de atender. Na cultura de alguns clientes, todos estes trabalhos podem tornar a compra quase que uma obrigação. Não é o caso do jeito “folgado” dos brasileiros, que imunes à pressão, são até capazes de pedir um “whiskinho”, aliás, proibitivo nos costumes locais.

(C) Usando o Desdém. Após ouvir o preço do tapete desejado, minha próxima pergunta foi se aquele tapete era da região dos melhores tapetes. Com a resposta negativa do vendedor, deixei clara a minha decepção e usei o desprezo a meu favor, ainda que não pretendesse mesmo comprar um tapete da tal região, cujos preços eram bem mais altos que meu orçamento.

(C) Criando Referências com Produtos de Menor Valor. Com ares de decepção, passei a explorar outros produtos, propositalmente de preços mais baixos. Minha intenção era criar referências de preços menores, para induzir o comerciante a baixar o preço do produto desejado, sempre enfatizando que não se tratava de um tapete daquela região dos melhores tapetes.

(V) Barganhar o Preço. Os comerciantes turcos são conhecidos por barganhar preços, sempre valorizando as concessões e teatralizando as interações com o comprador. Eles conseguem nos induzir à compra, lembrando aqueles vendedores de redes nas praias de todo o Brasil, que acabam nos fazendo comprar uma, duas ou três redes que nunca quisemos e que nem temos onde instalar, só porque o preço final ficou “imperdível”.

(C) Não Pedir Descontos. Minha estratégia de reação à barganha foi não pedir descontos. Justamente o contrário do esperado. Deixei a iniciativa dos descontos para o vendedor, mas a cada novo preço proposto eu apenas anotava, dando a entender que não compraria naquela oportunidade e que usaria o preço para comparação com outros preços de seus concorrentes.

(V) Forma de Pagamento. Entre um e outro movimento de barganha, o vendedor me perguntou se o pagamento seria em moeda local, em moeda estrangeira ou com cartão de crédito. Percebi que pagamentos em moedas, especialmente moeda local, tendem a limitar o teto do preço que o comprador está disposto a pagar, enquanto o plástico tende a fazê-lo aceitar um teto mais alto. Como parte da minha estratégia, respondi que pagaria em moeda local, dando a entender que tinha “dinheiro contado” para aquela compra.

(C) Tempo a Favor. O vendedor me perguntou duas ou três vezes quando eu iria embora de Istambul. Ele me fez pensar, que clientes com partida iminente, tendem a estar mais ansiosos, com pressa, aumentando a probabilidade de comprar imediatamente. Usei isso a meu favor e respondi que acabara de chegar e ficaria ainda uma semana em Istambul, para que ele reduzisse o preço e aproveitasse a oportunidade de venda, antes de seus concorrentes das outras lojas.

(C) Perdendo a Venda. Num dos últimos movimentos, perguntei ao comerciante o endereço da loja e pedi um cartão, para o caso de desejar voltar outra hora. A intenção de sair da loja foi um elemento de pressão que utilizei, pois se o comerciante não aproveitasse minha estada na loja, poderia nunca mais me ver e perder a venda.

(C) Gran Finale. Depois de meia hora de interações, idas e vindas no preço, descontos, anotações e ameaças de saída, finalmente chegamos ao que percebi ser o limite de ambas as partes. O último preço estava dentro da minha expectativa e certamente estava também dentro da expectativa do vendedor, o que caracteriza os bons negócios. Negócio fechado, decidi aceitar o chá, para surpresa – e mais um pequeno custo – do vendedor.

Foi uma experiência inesquecível aquela e, se pudesse, pagaria um tapete a cada ano, só para reconhecer e vivenciar as técnicas de negociação dos mercadores turcos.

Onevair Ferrari, DSc, MSc, PMP é professor, consultor, palestrante, coach em Gerenciamento de Projetos e diretor da Nexor.
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